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O Núcleo de Práticas Multidisciplinares em uma Promotoria de Justiça ( Artigo Inicial de 2009)

     

Este é um artigo desatualizado, mas que traz informações importantes na construção do Núcleo de Práticas Multidisciplinares. Foi oublicadoi em 2009.
Como servidor do Ministério Público do DF desde 1994, assisti o surgimento, desenvolvimento e crescimento da Central de Medidas Alternativas neste Órgão. Observei a coragem de Promotores de Justiça, engajados e compromissados com a justiça, desembaraçar-se das amarras da burocracia. E o mais motivador foi perceber que esses Promotores de Justiça não viam os servidores como peças descartáveis na engrenagem, entendendo seu papel institucional e não se esquecendo de que também servidores são dominados pelo idealismo da justiça. Nessa visão, estou tendo o privilégio de trabalhar em um setor novo, isto é, em um projeto pioneiro no MPDFT. Apoiado e amparado por Promotores comprometidos com a sociedade, com a instituição e cônscios de seu papel institucional, atuo como facilitador no Núcleo de Práticas Multidisciplinares do MPDFT na circunscrição judiciária do Gama.
       O Projeto pioneiro foi iniciado por outro servidor, voluntário, chamado Teógines (?). Após o término de sua monografia sobre a justiça Restaurativa, Teógines precisou retornar para seu órgão de origem (Polícia Federal). No início deste ano, ao pedir transferência da Promotoria que ajudara a estruturar, tendo sido nela Secretário Executivo por mais de dois anos e Chefe de Secretaria junto à Promotoria do Juizado Especial Criminal, não imaginava o que o me aguardava. Apesar de ser apaixonado pela área comportamental, ter formação na área filosófica e psicanalítica, ser licenciado em psicologia e ter experiência de mais de quatro anos em aconselhamento, minha formação não tinha nenhuma relevância no meu cargo que era administrativo ou jurídico. Ao iniciar minhas atividades no Setor de medidas Alternativas, recebi um pacote de mais de 200 casos de violência doméstica e a função de facilitar processos restaurativos de violência de trânsito e vias de fato. Os Promotores queriam a atuação do setor objetivando auxiliar os casais no enfrentamento do problema. Recebi orientação da Central sobre o acolhimento de casais e o encaminhamento de estagiários de psicologia para me apoiarem. A partir daí iniciei o desenvolvimento das ações conforme segue:
1.            O acolhimento dos casais/envolvidos com história de violência doméstica:
 A utilização da Justiça Terapêutica por meio de equipes multidisciplinares  em Violência Doméstica é prevista nos artigos 29 e 30 da Lei 11340 de 2006.
Art. 29.  Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher que vierem a ser criados poderão contar com uma equipe de atendimento multidisciplinar, a ser integrada por profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde.
Art. 30.  Compete à equipe de atendimento multidisciplinar, entre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito ao juiz, ao Ministério Público e à Defensoria Pública, mediante laudos ou verbalmente em audiência, edesenvolver trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas, voltados para a ofendida, o agressor e os familiares, com especial atenção às crianças e aos adolescentes.
A Lei Maria da Penha prevê o desenvolvimento de trabalhos de orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas voltados para a ofendida, agressor, familiares etc.
Os casais encaminhados pelos Promotores são separados em grupos com história de caso semelhantes. Os homens são intimados a comparecerem em horário distinto das mulheres. Da história dos casos se extrai material para o trabalho. A violência doméstica não ocorre de forma independente do contexto dos envolvidos. A violência doméstica tem sido alavancada pela história de violência dos indivíduos e serve de alavanca para gerar novas pessoas vítimas e autoras da violência. As pessoas são vítimas de suas mazelas. Um ciclo vicioso. No acolhimento as pessoas são conduzidas a contar um pouco de sua história.  Não há vítima ou autor. Há história de vida. O autor é informado que não esta ali para ser acusado e nem mesmo julgado. É esclarecido que o processo tem seu caminho judicial e paralelamente um caminho restaurativo que poderá ser aproveitado pelo Promotor ou não. É deixado bem claro que o objetivo do procedimento será o de restaurar vidas, independente de o casamento continuar existindo ou não, mas ajudando-os a superar essa fase. O acolhimento tem como objetivo a orientação, encaminhamento, prevenção e outras medidas voltados para a ofendida, agressor, familiares. É executado em quatro fases:
1ª. Fase: As partes assistem um vídeo que visa alertar sobre o perigo de não dar um basta à violência. Foi produzido pela faculdade IESB onde uma Promotora de Justiça, uma socióloga, uma delegada e uma psicóloga comentam sobre violência doméstica em meio a histórias de mulheres que sofreram violência. O vídeo termina com a música Maria, Maria.
2ª fase: Breve palestra sobre a lei 11340/2006. A ênfase é sobre os cinco tipos de violência abordados pela lei.
3ª fase: As partes são incentivadas a contarem sua história, sobre o porquê de estarem ali. Os estagiários formam um parecer e encaminham as partes para uma das opções preparadas.
4ª fase: Ocorre a aplicação de uma pesquisa psicossocial e a entrega dos encaminhamentos. Termina o acolhimento.
As partes são encaminhadas para um dos seguintes atendimentos:
1.        Atendimento único - O caso está resolvido e não necessita de interferência; O acolhimento em si serve como palestra de alerta;
2.        Atendimento Psicossocial e Acompanhamento Psicossocial, podendo ser individual (estagiários de psicologia ou psicanalista em formação), onde após uma escuta o terapeuta encaminha ou apenas relata a situação da parte ou em grupo. Se em grupo, pode ser de gênero (homem, mulher), criança, família ou casal. O atendimento é dividido em duas etapas: atendimento em grupo composto por oito sessões com discussões temáticas e momentos de reflexão e catarse, e Acompanhamento Psicossocial pelo período de mais quatro meses, onde se monitora as partes envolvidas. O atendimento psicossocial atente tantos as partes diretamente envolvidas quanto os que estão indiretamente envolvidos. O objetivo é auxiliar as partes a superarem a fase violenta.
3.        Procedimento Multidisciplinar ou Acompanhamento Multidisciplinar. Em situações em que a cisão do relacionamento precisa ser consertada, buscando por meio de sessões, descobrirem como os danos podem ser sanados. Isso independe de o casal ou envolvidos estar ou não reatados. Cabe este procedimento quando, não sendo de natureza psicossocial, há dano a ser reparado. Um exemplo é o conflito em que o marido agrediu a cunhada. Apesar de a cunhada desistir da ação, o vínculo familiar está ferido, a esposa, irmã da vítima se encontra em problema real. O procedimento busca resolver tais situações. Outro caso comum é o pai que, após o conflito e separação, passa a desprezar o filho. As reuniões visam o resgate das relações. Após apaziguamento, ocorre o acompanhamento restaurativo, monitorando as relações para que não haja uma reincidência.
O processo em trâmite nas varas que não coube denúncia, é suspenso informalmente até que o setor informe ao Promotor a situação que a família se encontra. Todo procedimento chegando ao fim é relatado ao Promotor.
2.            O Procedimento Multidisciplinar em conflitos sociais diversos e distintos da violência doméstica
Nos demais casos, encaminhados pelo Promotor, a vítima é convidada a participar do processo multidisciplinar, abrindo mão da representação dentro do período decadencial. Aceita a proposta, o Promotor promove o arquivamento do feito. Nesse ínterim busca-se a restauração e a pacificação do conflito. Alcançada a restauração, relata-se ao Promotor. não alcançada, a vítima é informada que tem direito a representação, se ainda for seu desejo. Nesse caso corre-se contra o tempo.
Nos casos de dano, busca-se a composição civil com grande sucesso.
Nos casos de drogas, além da Intervenção inicial, o autor é encaminhado a um grupo de reflexão e inicia-se um acompanhamento multidisciplionar junto à família. Normalmente as relações estão doentias e precisam de  apoio psicossocial. Quando o envolvido em uso de de drogas ou alcool não está no estado de contemplar sua situação e não aceita qualquer interferência, acolhemos a família e iniciamos o processo multidisciplionar sistêmico.
Em conflitos entre parentes ou vizinhos, inicia-se o procedimento multidisciplinar por meio de mediação, conciliação e negociação. A família é convidada a participar e isso revela novos problemas. Normalmente há um idoso sofrendo que precisa de auxílio. Recorremos às ONGs para nos ajudarem a amparar o idoso e comunicamos a Promotoria especializada.
Outro objeto de procedimento multidisciplinar é o contato entre policiais e cidadãos. Nas queixas as partes são ouvidas e busca-se a compreensão e pacificação.  Há casos em que a queixa entre parentes expõe um problema familiar mais profundo. Intima-se toda a família até que se atinja o problema real. Estes procedimentos são mais demorados e exigem mais do facilitador.
A justiça restaurativa na cidade do Gama tem sido uma porta aberta à comunidade e conta com apoio de uma rede de ONGs, Igrejas e órgãos governamentais. As Faculdades Alvorada e IESB tem fornecido estagiários e psicologia para assistirem ao Setor, a Promotoria cedeu duas Salas para atendimento Psicossocial. O Governo do DF instalou um Núcleo (NAFAVD) com dois psicólogos que acolhem casos de casais em violência que têm seus processos suspensos.
O Núcleo já atendeu nestes três anos mais de 1500 casos. 
Atualmente há três tipos básicos de Intervenção Multidisciplinar: Acolhimento, Acompanhamento e Interenção em Crise.
Os acolhimentos ocorrem nas segundas e quintas-feiras das 14 às 17h. São contatos iniciais que partem da escuta e dão substrato para o encaminhamento adequado. 
Os Acompanhamentos são realizados nas terças e quartas-feiras. São acompanhamentos individuais e em grupo de reflexão. Não são terapias, mas são terapêuticos. São realizados por equipes parceiras advindas de comunidades acadêmicas que tem como finalidade a prática de seus pupilos. Contamos com parcerias de faculdades ( IESB, Alvorada e Fênix), Institutos ( Ethikus, Kalile e Praetorium)  e Associações Psicanaliticas ( ANPC e ABMP) que atendem na Própria comunidade. Enquanto não conseguimos local para os atendimentos fora da Promotoria, usamos salas da Promotoria para o atendimento.
As Intervenções em Crise são realizadas por meio de acompanamento da Família nas parceiras da Promotoria e no encaminhamento dos envolvidos para Intervenção em Clínicas Especializadas ( Clínica de Recuperação Despertai, Meioi Ambiente e Tratamento de Adiçao e Clínica Salve a si).
O Processo é dinâmico e dialético, se firmando e sendo corrigido em todo o seu procedimento. 
Orlando Marçal Júnior, Técnico Administrativo da Carreira do MPU desde 1994. Lotado na Central de Medidas Alternativas, núcleo do Gama. Formado em Teologia pelo Seminário Presbiteriano Conservador em 1987, Licenciado em Filosofia e Psicologia pela UnB e 1996, Professor de Psicologia. Especializando em Psicologia Jurídica. É Psicopedagogo e Psicanalista Clínico membro da ABMPDF

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