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O Centro de Atenção Psicossocial - Uma saída para o Gama




Sob a ótica da reforma psiquiátrica, a internação de pacientes com problemas mentais deixou de ser uma solução, mas uma exceção. No passado o paciente psiquiátrico em seus quadros mais graves eram reclusos em verdadeiras prisões:
Todos os estabelecimentos criados no país até o final do século XIX, com a finalidade de internar os doentes mentais, ofereciam um tratamento que tinha como objetivo maior "afastá-los da sociedade do que realmente tratá-los e minorar seu sofrimento" (RIBEIRO, 1999, p. 20)
A sociedade não conseguia enxergar o processo de inclusão social dos pacientes psiquiátricos. Seu objetivo era afastá-los do convívio social. As famílias, desesperadas, buscando uma solução e não compreendendo a loucura, perdiam contato com seus entes queridos e de forma "natural" e gradativa se esqueciam de quem as fazia sofrer. Era um processo de desfazimento de vínculo. Os familiares cauterizavam suas emoções, "jogavam" seus parentes nos hospitais psiquiátricos e deles se esqueciam. "O que os olhos não vêem o coração não sente". Essa era a regra. Os asilos psiquiátricos passaram a ser uma forma de se tirar dos olhos o que fazia os "normais" sofrerem.


Infelizmente, a Psiquiatria nessa fase deixava de buscar uma solução, sendo ela mesma a geradora de problemas psiquiatricos. Se para Pinel a reclusão passou a ter uma significação curativa e daí o nome "manicômio", ( mania - loucura e Koumen - Cura) onde se cura o louco, no contexto brasileiro a cura não era possível no depositário humano de pacientes psiquiátricos. Não era, ou não é? Quem se cura em um manicômio hoje? 

Apesar de frustrados os projetos de recuperação dos loucos por meio do internamento nos hospitais-colônia - em face da impossibilidade de inserção social dos seus egressos quando retornavam ao espaço urbano -, a Psiquiatria continuava se fortalecendo por meio da fabricação de sua própria clientela. Apesar de ter surgido para resolver o "problema da doença mental" ela passa a fabricar mais e mais "doentes", demandando pela criação de mais instituições e ampliação das existentes. (COSTA, 2003, p.150)


Em março de 1987 inaugura-se no Brasil uma nova possibilidade: O Centro de Atenção Psicossocial. Isso representou a implementação de um novo modelo de atenção em saúde mental para expressiva fração dos doentes mentais (psicóticos e neuróticos graves) atendidos na rede pública. Um nova fase deveria ser inaugurada, onde os direitos humanos seriam respeitados, onde as famílias não perderiam seus vínculos e poderiam cuidar dos seus com suporte estatal. O estado economizaria, pois não mais custearia os "presídios psiquiátricos" de quem como crime se imputava a loucura. Parece até poesia. Ou é?

Seu objetivo é oferecer atendimento à população, realizar o acompanhamento clínico e a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários. Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), entre todos os dispositivos de atenção à saúde mental, têm valor estratégico para a Reforma Psiquiátrica Brasileira. Com a criação desses centros, possibilita-se a organização de uma rede substitutiva ao Hospital Psiquiátrico no país. Os CAPS são serviços de saúde municipais, abertos, comunitários que oferecem atendimento diário.(Estes serviços devem ser substitutivos e não complementares ao hospital psiquiátrico. De fato, o CAPS é o núcleo de uma nova clínica, produtora de autonomia, que convida o usuário à responsabilização e ao protagonismo em toda a trajetória do seu tratamento. (Ministério da Saúde - (http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=29797&janela=1) )


É interessante observarmo a avanço na constituição de um Centro como o CAPS, cuja função não é complementar as atividades manicomiais, mas substitui-la, humanizando o tratamento. A função dos CAPS é perceptivamente necessária . Negá-la é ilógico:


- prestar atendimento clínico em regime de atenção diária, evitando as internações em hospitais psiquiátricos;

- acolher e atender as pessoas com transtornos mentais graves e persistentes, procurando preservar e fortalecer os laços sociais do usuário em seu território;

- promover a inserção social das pessoas com transtornos mentais por meio de ações intersetoriais;

- regular a porta de entrada da rede de assistência em saúde mental na sua área de atuação;

- dar suporte a atenção à saúde mental na rede básica;

- organizar a rede de atenção às pessoas com transtornos mentais nos municípios;

- articular estrategicamente a rede e a política de saúde mental num determinado território

- promover a reinserção social do indivíduo através do acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários.


Mas nossos administradores são lógicos? Talvez sua lógica seja a lógica do louco que às avessas vive o sonho e sonha a vida. É incalculável o valor, a necessidade e a viabilidade de um CAPS. Mas não são implementados. Por burrocracia? ops...ato falho: burocracia??? Será que é assim em todo lugar do mundo ou  é especialização brasileira? O engessamento que atrofia! Quem será que inventou isso??

Essa realidade prevista pelo CAPS não existe no Distrito Federal. Isso mesmo: Na ilha da Fantasuia não temos loucos. Temos alguns que pensam que são loucios e por isso são atendidos até serem estabilizados e "drogados" se tornatrem "normais". Loucos? Isso é coisa de psicólogo e psicanalista doido!!! Dá um sossega leão que passa!!!  Depressão??? Isso é frescura!!!  Pânico, fobia, etc??? Tá pensando que está no primeiro mundo!!  Meu Deus, que civilização é essa? Cuja dor do paciente psiquiátrico é des´prezada e cuja carcaça dos "loucos " é pisoteada a cada dia??? Que via sacra têm que enfrentar e não encontram defensores??? Não consigo entender como a Capital do País não leva a sério esta política. Não existe quem faça o Governo agir??? Vejamos o quadro comparativo, ou melhor, a vergonha exposta de um rei nú!!




O DF tem uma população de quase 3 milhões de habitantes e apenas 6 CAPS. Apenas 2 CAPS-AD ( Dependência Química) e está em último lugar no hancking nacional. Não consigo acreditar que as autoridades responsáveis não respondam por isso. Quando encaminho alguém para o Hospital Psiquiátrico num quadro tão caótico que a pessoa não deseja mais viver ou deseja matar, ou em delírio vê cobras, chips, anjos, etc, sei que as encaminho para um calvário...e sei que os "herois" que lá estarão para atende-las, terão que como Sofia, escolher quem atender. Mas como escolher sem ser Deus?? Como dizer a um homem que que enlouqueceu para viver que não há em Brasília atendimento psiquiátrico para os cidadãos que pagam imposto? Apenas se tiverem dinheiro para clínicas particulares?? Como falar para uma mãe que não tem tratamento na Capital do pais para seu filho? E o que ela diria se soubesse que o diagnóstico precoce diminuiria o dano cognitivo?

Uma mãe me procurou e disse que seu filho havia quebrado o nariz em uma coluna, quando em surto batera a cabeça. Falava constantemente em cortar o pênis, pois não servia pra nada e corria atrás de drogas sempre que a mãe ia trabalhar. Pergunte qual a última vez que fora a um psiquiatra: Meu Deus: Nunca!!!

O caso Lúcia que escrevi neste Blog é emblemático pois foi o primeiro caso de psicose que acolhi.Mas tive que enfrentar um médico que disse que não a levaria ao Hospital psiquiátrico porque não era urgente. O que é urgente?

Hoje, 22 de julho, pedi que a Polícia Civil buscasse uma mulher que em surto ameaçava a integridade de seu filho. Por que a Polícia? Por que ontem, quando meu estagiário de Psicologia pediu ao Bombeiro que fizesse isso, informaram a ele que só havia uma viatura e que esta socorria a um acidente de trânsito e por isso vidas estavam em risco. A mulher conseguiu ontem, com seu surto, internar um parente que quase enfartou. E se a polícia não a buscasse hoje, talvez ela, que está vendo cobras e todo lugar, que diz que o Lula a conhece e assim por diante, fizesse mais besteiras. Mas no Gama não tem psiquiatra. Tem um ( Um herói a quem rendo minhas honras). No Gama não tem emergência psiquiátrica e o Delegado teve que fazer papel de psicólogo, orientando a pobre coitada. Com certeza amanhã ela tentará de novo, e de novo, pois faz parte de sua loucura!

No Gama, uma população de mais de 150 mil habitantes, não há atendimento. Pasmem! Não há atendimento para dependente químico que surtam por conta da droga ou em surto se droga ( tanto faz, tudo é psicose e precisa do psiquiatra). Para Pacientes psiquiátricos há uma policlínica com um psiquiatra apenas que heroicamente tenta dar conta do recado. E não dá, pois há mais de 3 mil pacientes psiquiátricos cadastrados.

CAPS não é opção, não é possibilidade. É necessidade, é exigível em qualquer sociedade civilizada em que os direitos humanos tem alguma relevância.

Onde está a dignidade, a liberdade, a igualdade do humano nessa cidade? Neste Distrito? Talvez nas clínicas particulares onde se paga bem para ser atendido. Nos CAPS que existem, talvez! Mas no Gama não tem CAPS... e segundo soube, não terá!! Deus me valha de loucos como este Estado! 

_________
RIBEIRO, Paulo Rennes Marçal. Saúde mental no Brasil. São Paulo: Arte & Ciência, 1999.
COSTA, Augusto César de Farias. Direito, Saúde Mental e Reforma Psiquiátrica. In: Ministério da Saúde, Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, Departamento de Gestão da Educação na Saúde; ARANHA, Márcio Iorio (Org.). Direito sanitário e saúde pública. Coletânea de textos. v. I. Brasília: Ministério da Saúde, 2003. p. 143-178.

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